O primeiro álbum, Fossanova (NorteSul, 1998), teve uma aceitação excelente por parte de um público à minha imagem, sequioso por ouvir coisas diferentes, e chegou ao grande público impelido pelo seu orelhudo e poderoso primeiro single, "Sunset Boulevard". Estávamos em 1998 e o panorama musical estava em processo de esvaziamento do grunge e início de saturação do nu-metal (lá estão os rótulos). Por cá, faziam-se mais coisas muito boas também, como provam os Ornatos Violeta.
O certo é que aquela lufada de ar fresco e diferente soube-me muito bem. Um disco excelente em todos os sentidos, explorando os ambientes dramáticos, sombrios e noctívagos do "Kurt Weill Time", "Derangé" e "Lonely Gigolo", ou a cómica ironia do "Sunset Boulevard" ou do "Scorpions In Love". À fantástica lírica de JP Simões e a sua peculiar capacidade de interpretação, junta-se o perfeito acompanhamento vocal de Raquel Ralha e um conjunto de instrumentistas competentíssimos, capazes de cimentar as músicas com uma impecável coerência melódica, harmónica e rítmica e de lhes dar carácter e força. E depois, há a masterização muito bem conseguida, com um som vívido e equilibrado, comandado por uma bateria muito presente, com um bombo bem audível, incisivo e profundo, sem tirar no entanto lugar a outros instrumentos como o violino, piano, saxofone, clarinete, banjo e acordeão. Destaca-se aqui o excelente trabalho do Sérgio Costa (guitarra, banjo e flauta transversal).
O álbum seguinte, La toilette des étoiles (NorteSul, 2000), veio embalado pelo single "São Paulo 451", o único tema da banda cantado em português, com uma incipiente pronúncia brasileira (este tipo de registo de JP parecia antecipar o seu álbum 1970, de 2007), e uma letra quase surrealista falando da fuga a um ambiente decrépito de travestismo e prostituição. Perfeito!
Mais uma vez, o resto do disco não desilude. Mais polido que o anterior, é também mais sombrio e repleto de lugares comuns de ironia. Aqui, Raquel Ralha assume um maior protagonismo, embalando as músicas com a enorme alma que empresta à aparente fragilidade da sua voz. Delicioso!
Tudo isto contribuiu para que estes dois álbuns acedessem à minha lista pessoal de melhores discos editados em Portugal.
Quando os Belle Chase Hotel se separaram por volta de 2003, deixaram um vazio que nunca chegou a ser completamente preenchido, a não ser em alguns registos particulares dos projectos do Paulo Furtado (da "cena de Coimbra", com os Tédio Boys, e depois os WrayGunn e Legendary Tiger Man).
Daí que tenha ficado agradavelmente surpreendido com a marcação de um concerto - a meu ver histórico - no lendário palco da cidade que os viu nascer: o Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra. E a actuação foi memorável.
Voltado dos mortos, como JP não se cansou de referir, parecia que os anos não tinham passado por ele, continuando no registo trágico-cómico-irónico com que nos habituou. Um verdadeiro mestre de cerimónias em versão anti-herói,usando do seu idiossincrático humor físico e verbal, que arrancou gargalhadas à plateia a cada interregno.
Ao vivo, e como já tive a oportunidade de comprovar num concerto que assisti num festival de Verão nos idos de 1999, são mesmo muito bons. Não usaram qualquer adereço ou cenografia. Palco negro, luzes simples, guarda-roupa normal (os vestidos pretos das meninas ficam sempre bem!). Aliás, com toda a teatralidade do JP Simões, não é necessário nenhum destes subterfúgios. A execução instrumental, muito certa e extremamente fiel aos álbuns, prova a excelência dos músicos e o trabalho que tiveram a reensaiar os temas. O som estava muito bom também, tendo apenas falhado algum controlo da mesa, que por vezes se esqueceu de dar ganho ao violino e uma ou outra vez à voz da Raquel, e alguns desajustes no Line6 Pod do guitarrista, ao que o JP se referiu como "uma caixinha com luzes a piscar mas que não tem nada lá dentro".
O bom de terem apenas dois álbuns na carreira é que lhes permitiu percorrer quase todo o repertório em menos de duas horas de concerto, mesmo com dois encores com apenas uma repetição. O facto de terem um repertório tão variado e com tantas influências musicais demonstra bem a mestria dos músicos que se sentem à vontade em qualquer registo.
Se em Portugal houvesse verdadeiramente justiça à música feita entre-fronteiras, os Belle Chase Hotel, banda muito à frente do seu tempo, teria um lugar de destaque como uma das bandas mais geniais e revolucionárias da história da música popular portuguesa.
(A música "Sunset Boulevard", como JP contou, foi inspirada num cafezinho típico de Coimbra, ali à Praça da República, que mais ou menos por altura da formação da banda, deu lugar a um MacDonalds, que, por coincidência e falta de tempo, foi onde jantámos antes de ir para o concerto. JP referiu também que, infelizmente, não ganharam nenhum direito publicitário com a música)