Igreja Matriz de Mira. Acústica quase irrepreensível no lento vai-e-vem do burburinho do povo. De repente, começa um trinado suave mas tenso, misterioso, denso, embriagante, confortavel. Mais de uma dezena de jovens mãos de rapariga russa tangem as cordas de igual número de balalaikas. O ar enche-se aos poucos de uma experiência musical verdadeira, nova, única, original. Perdoe-me o entediado leitor na minha adjectivação, mas a inaudibilidade estéril deste texto nunca se poderia compensar à custa do vocabulário. É a magia da orquestra Silver Strings, de Leninegrado... ups... S. Petersburgo, composta por jovens russos que viajaram até cá de autopullman e que mesmo na ressaca de milhares de quilómetros na velha camioneta russa, tocaram maravilhosamente. Vieram mostrar à nossa pacatez meridional que a escola de Leste ainda está viva e recomenda-se, que a Música ainda é arte maior por aquelas bandas, e que a sua aprendizagem é considerada vital para o tecido da sociedade e da cultura. Depois de passarem por Bizet, Mussorgsky, Saint-Saenz ou um magnífico "Barcarolle" de Offenbach cantado em dueto por uma soprano angelical e uma contralto demoníaca e telúrica, esta peculiar orquestra mostrou todo o seu naipe em toda a sua classe pelas mais variadas obras. Eram as ja referidas balalaikas, um ginasta acordeão, uma percussão irrepreensível, com um fabuloso xilofonista... e a flauta... que flauta! Enfim, vale a pena andar atento pois existem na velha Rússia algumas destas excelentes orquestras que de quando em vez nos vêm visitar, partilhar connosco toda a sua beleza musical.
Como a entrada era livre, obriguei-me a comprar-lhes o último CD, "Without Borders", num belo digipack, com temas de estúdio e outros gravados ao vivo numa digressão pela Gália. Duas belas e jovens russas agradeceram-me em francês e eu lembrei-me, por instantes, da universalidade da música. Obrigado,
Silver Strings.