16 novembro, 2010

Not Searching fot the Real Thing - Os Belle Chase Hotel voltam para um concerto!

Quando os Belle Chase Hotel surgiram, no final dos anos 90, havia ainda a necessidade obsessiva de catalogar os géneros musicais, coisa que hoje em dia se resolve com um arremesso para a prateleira do "alternativo" de tudo o que tenha uma sonoridade própria sem uma ligação específica a dada corrente pop-rock. Assim, os críticos usaram de jóias como "Cabaret Rock", "Neo vaudeville", "Psicho Broadway" e outras que tais, no esforço de rotularem com alguma eloquência a música desta banda. Outros utilizaram o epíteto de "cena de Coimbra", na vã tentativa de agregar outras bandas da cidade do Mondego que surgiram mais ou menos na mesma altura, em resposta ao vazio cultural que de certa forma, paradoxalmente, sempre se sentiu na terra da mais antiga Universidade.


O primeiro álbum, Fossanova (NorteSul, 1998), teve uma aceitação excelente por parte de um público à minha imagem, sequioso por ouvir coisas diferentes, e chegou ao grande público impelido pelo seu orelhudo e poderoso primeiro single, "Sunset Boulevard". Estávamos em 1998 e o panorama musical estava em processo de esvaziamento do grunge e início de saturação do nu-metal (lá estão os rótulos). Por cá, faziam-se mais coisas muito boas também, como provam os Ornatos Violeta.

O certo é que aquela lufada de ar fresco e diferente soube-me muito bem. Um disco excelente em todos os sentidos, explorando os ambientes dramáticos, sombrios e noctívagos do "Kurt Weill Time", "Derangé" e "Lonely Gigolo", ou a cómica ironia do "Sunset Boulevard" ou do "Scorpions In Love". À fantástica lírica de JP Simões e a sua peculiar capacidade de interpretação, junta-se o perfeito acompanhamento vocal de Raquel Ralha e um conjunto de instrumentistas competentíssimos, capazes de cimentar as músicas com uma impecável coerência melódica, harmónica e rítmica e de lhes dar carácter e força. E depois, há a masterização muito bem conseguida, com um som vívido e equilibrado, comandado por uma bateria muito presente, com um bombo bem audível, incisivo e profundo, sem tirar no entanto lugar a outros instrumentos como o violino, piano, saxofone, clarinete, banjo e acordeão. Destaca-se aqui o excelente trabalho do Sérgio Costa (guitarra, banjo e flauta transversal).



O álbum seguinte, La toilette des étoiles (NorteSul, 2000), veio embalado pelo single "São Paulo 451", o único tema da banda cantado em português, com uma incipiente pronúncia brasileira (este tipo de registo de JP parecia antecipar o seu álbum 1970, de 2007), e uma letra quase surrealista falando da fuga a um ambiente decrépito de travestismo e prostituição. Perfeito!

Mais uma vez, o resto do disco não desilude. Mais polido que o anterior, é também mais sombrio e repleto de lugares comuns de ironia. Aqui, Raquel Ralha assume um maior protagonismo, embalando as músicas com a enorme alma que empresta à aparente fragilidade da sua voz. Delicioso!

Tudo isto contribuiu para que estes dois álbuns acedessem à minha lista pessoal de melhores discos editados em Portugal.

Quando os Belle Chase Hotel se separaram por volta de 2003, deixaram um vazio que nunca chegou a ser completamente preenchido, a não ser em alguns registos particulares dos projectos do Paulo Furtado (da "cena de Coimbra", com os Tédio Boys, e depois os WrayGunn e Legendary Tiger Man).

Daí que tenha ficado agradavelmente surpreendido com a marcação de um concerto - a meu ver histórico - no lendário palco da cidade que os viu nascer: o Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra. E a actuação foi memorável.



Voltado dos mortos, como JP não se cansou de referir, parecia que os anos não tinham passado por ele, continuando no registo trágico-cómico-irónico com que nos habituou. Um verdadeiro mestre de cerimónias em versão anti-herói,usando do seu idiossincrático humor físico e verbal, que arrancou gargalhadas à plateia a cada interregno.

Ao vivo, e como já tive a oportunidade de comprovar num concerto que assisti num festival de Verão nos idos de 1999, são mesmo muito bons. Não usaram qualquer adereço ou cenografia. Palco negro, luzes simples, guarda-roupa normal (os vestidos pretos das meninas ficam sempre bem!). Aliás, com toda a teatralidade do JP Simões, não é necessário nenhum destes subterfúgios. A execução instrumental, muito certa e extremamente fiel aos álbuns, prova a excelência dos músicos e o trabalho que tiveram a reensaiar os temas. O som estava muito bom também, tendo apenas falhado algum controlo da mesa, que por vezes se esqueceu de dar ganho ao violino e uma ou outra vez à voz da Raquel, e alguns desajustes no Line6 Pod do guitarrista, ao que o JP se referiu como "uma caixinha com luzes a piscar mas que não tem nada lá dentro".

O bom de terem apenas dois álbuns na carreira é que lhes permitiu percorrer quase todo o repertório em menos de duas horas de concerto, mesmo com dois encores com apenas uma repetição. O facto de terem um repertório tão variado e com tantas influências musicais demonstra bem a mestria dos músicos que se sentem à vontade em qualquer registo.

Se em Portugal houvesse verdadeiramente justiça à música feita entre-fronteiras, os Belle Chase Hotel, banda muito à frente do seu tempo, teria um lugar de destaque como uma das bandas mais geniais e revolucionárias da história da música popular portuguesa.



(A música "Sunset Boulevard", como JP contou, foi inspirada num cafezinho típico de Coimbra, ali à Praça da República, que mais ou menos por altura da formação da banda, deu lugar a um MacDonalds, que, por coincidência e falta de tempo, foi onde jantámos antes de ir para o concerto. JP referiu também que, infelizmente, não ganharam nenhum direito publicitário com a música)

3 comentários:

Daniela Valdiviesso disse...

Coincidência o tanas! Foi a homenagem sentida que pudemos fazer aos BCH, ir jantar ao antigo "Mandarim", agora um McDonald's na Sunset Boulevard! Tu é que não percebeste nada!

Mais a sério, confesso que o meu repertório de BCH começava nessa música e acabava nessa música, mas fiquei rendida, eles são mesmo muito bons ao vivo, nota-se o entrosamento da banda mesmo após tantos anos (se calhar ensaiaram para isto durante os 9 anos inteirinhos), o JP Simões é um senhor (mesmo quando gozou com os portuenses "que nunca são espezinhados pelas mulheres"), e a Raquel Ralha é extremamente sexy (podia ensinar uma coisa ou duas àquele meu personal hate que tu sabes ;D). Obrigada pela boa surpresa!

Rui Valdiviesso disse...

De nada! Sabes que na maior parte das vezes podes confiar nos meus gostos musicais!

Severino disse...

muito legal!!!