25 novembro, 2006

E ainda mais vinil

Foi só nos últimos anos que o interesse pelo vinil ressuscitou de forma mais notória. Várias ordens de factores poderão ter contribuído para esse acontecimento: a existência de células de cada vez maior qualidade a preços competitivos; gira-discos muito simples e funcionais mas extremamente competentes; jovens a procurar sonoridades antigas nas colecções dos pais e dos tios; recuperação de gira-discos antigos e avariados e uma certa insurgência contra o estado mercantilista editorial moderno e a sua panóplia de formatos, inimigos quer dos músicos, a quem interessa que o seu trabalho tenha um registo o mais próximo possível da forma como eles construíram a música, quer dos consumidores, que são servidos de gato por lebre.
Veja-se o exemplo dos CD's anti-cópia, muitos dos quais utilizavam erros introduzidos de propósito na matriz para tornar a reprodução possível apenas por alguns aparelhos, impossibilitando a ripagem para MP3, mas também a leitura em muitos leitores de DVD, CD-ROM, auto-rádios e obrigando os leitores de CD Audio a ter o dobro do trabalho na correcção de erros, o que piora e muito a qualidade do som original. Resumindo, o consumidor compra aquilo que é anunciado como um Compact Disc Digital Audio, insere-o no seu leitor de CD-ROM e o que é reproduzido é o conteúdo em ficheiros comprimidos, e não a matriz audio do CD, e quando insere o CD num leitor exclusivamente audio, a reprodução é feita à custa de muita compensação de erros.
Um disco de vinil, no entanto, quando bem gravado, contém toda a informação que precisamos ouvir. Quando bem lido, é capaz de debitar música como ela merece ser reproduzida!
Mas como é que funciona a leitura de discos de vinil? É simples: o disco tem um conjunto de pequenos furos microscópicos alinhados numa espiral de muitas e muitas voltas, desde a periferia até ao centro. Nesses sulcos - grooves - está contida a música em forma mecânica, ou seja, dependendo da extensão, profundidade, etc. de um groove, são reproduzidas todas as componentes musicais.
Uma célula é o aparelho electromecânico que lê os sulcos do vinil, no sentido horário e em espiral, quando este é posto a rodar a 33 rotações por minuto (RPM), quando se trata de um LP, ou a 45 RPM quando se trata de outra forma de disco (Single, Maxi, EP). A agulha ou estilete, na extremidade da célula, acenta nos sulcos e, à medida que estes vão passando com a rotação do disco, transmite a vibraçao dos sulcos a um conjunto de magneto/bobina.
Existem dois tipos de célula, de acordo com o movimento relativo do magneto e da bobina. As células MM (Moving Magnet) têm a bobina fixa e a agulha ligada ao magneto, enquanto que as células MC (Moving Coil) possuem o íman fixo e é a bobina que se move.
Em todo o caso, o resultado é idêntico: as vibraçoes mecânicas da agulha a passar nos sulcos são convertidas em impulsos eléctricos pelo movimento relativo bobina/magneto. Estes impulsos são transmitidos através de cabos para um amplificador especial, ou um circuíto integrado dentro de um amplificador que admita phono, de forma a que o sinal eléctrico seja igualizado para posterior amplificação pelos mesmos andares em que são amplificados um CD ou um tuner.
Para tudo isto funcionar correctamente, é necessário que o braço do giradiscos esteja calibrado, na dependência do contrapeso, para a pressão óptima da agulha definida pelo fabricante da célula.
Importantíssima é também a cadência da rotação. Um disco de vinil depende do tempo, muito mais que um CD, onde o tempo equivale não a um movimento rotativo mecânico mas sim à interpretação electrónica da amostragem. Como tal, o tempo tem que ser mantido a todo o custo, o que torna a estabilidade do movimento de rotação do prato essencial para a boa reprodução do disco. Por sua vez, esta estabilidade depende de um motor eléctrico, que tem que manter um passo certo, o que só pode ser garantido por uma boa fonte de alimentação. A vibração de todo o conjunto deve ser, também, o menor possível, dado que a mínima vibração de um gira-discos interfere com as vibrações que uma agulha produz na leitura dos grooves, deteriorando a música.
Com todo este jargão técnico, já deve o leitor estar desesperado, pelo que lhe peço as minhas mais sentidas desculpas. Mas a descrição não é debalde. Serve para mostrar que é no vinil que está a verdade da música, e que mesmo o tempo, o compasso, a cadência, estão lá verdadeiramente e não são, ao contrário do que se passa nos formatos digitais, uma ilusão.
Pois dizem os mais cépticos que não há nada mais exacto que os bits e os bites e os 1's e 0's de que se fazem os formatos digitais. Concordo. Tudo no digital é exacto, preciso, incivelmente colocado no sítio certo à custa de muito processamento. Principalmente no processamento do erro. E o erro, num CD, é tão bem tratado que, mesmo com pequenos riscos o disco continua a reproduzir (quase) igual! Um leitor de CD é tanto melhor quanto mais facilmente conseguir tratar o erro e discerni-lo daquilo que interessa: a informação musical.
De facto, o CD tem vantagens fabulosas sobre o vinil, e o SACD terá mais vantagens aínda, mas a qualidade da música reproduzida não se situa nessa lista de atributos. Pois a questão é muito simples: comparando um gira-discos a um leitor de CD do mesmo preço, o gira-discos, quando bem calibrado, soará sempre melhor. O facto é que, nas nossas casas, o CD substituíu o vinil com glória e qualidade, pois na maior parte dos casos, os nossos velhinhos gira-discos não souberam estar à altura. Faltou-lhes afinação, célula, braço, motor, tempo certo para destilar a magia do vinilo. E os nossos discos velhinos, riscados, sujos e gastos em nada ajudaram.
Ah! Falei em preço! O vil metal assombra sempre estas velhas questões! Assombrava, meus caros! Se um leitor de CD competente da gama de entrada de muitas marcas reconhecidas (ex. ROTEL, NAD, Cambridge, etc...) ultrapassa os 300 euros, quanto não custará um bom gira-discos? Não havia muitas opções de gira-discos de gama baixa que não fossem autênticas fraudes, electrodomésticos de plástico sem alma nem brio nem dignidade para as funções que lhes foram atribuídas! Os restantes leitores tinham preços astronómicos, muito além dos 600 euros de um Technics profissional (muito bom para DJ's, mediano para ouvir música em casa). Os gira-discos bons sempre foram muito caros.
O mercado, apenas neste aspecto, evoluíu para melhor. Democratizou-se no sentido de dar resposta àqueles que queriam ouvir os seus discos com a melhor qualidade possível, sem gastar muito dinheiro. Há já marcas que disponibilizam gira-discos formidáveis para os seus preços, extremamente competitivos. Veja-se, por exemplo, o ProJect Debut III, que já vem equipadinho com célula Ortophon, afinado e pronto a utilizar, com um preço que ronda os 240 euros. Garanto-vos que comparado com um daqueles bons leitores de CD de 300 euros, vai dar-vos vontade de atirar os CD's pela janela.
Nada mau para reproduzir sonhos, ahn?

1 comentário:

tripeiro invicto disse...

é tudo muito bonito! mas experimenta levar um disco para uma aula de body combat ou de aerobica, nao da muito jeito pois nao?quem curte os discos sao os dj s!o pó nunca fica muito tempo perto dos discos. abraço